A saúde reprodutiva e o planejamento familiar são pilares fundamentais do bem-estar individual e conjugal, exercendo influência profunda na qualidade de vida das famílias e no desenvolvimento social. No contexto do casamento, as decisões relativas à reprodução e ao número, espaçamento e temporalidade dos filhos são intrinsecamente complexas, envolvendo não apenas escolhas individuais, mas também dinâmicas de poder, comunicação e valores compartilhados. Este artigo científico explora a relação multifacetada entre a saúde reprodutiva e o planejamento familiar na vida conjugal, abordando a relevância desses temas para a construção de relacionamentos saudáveis e para o enfrentamento de desafios. Serão discutidos os componentes essenciais da saúde reprodutiva, incluindo o acesso a métodos contraceptivos seguros e eficazes, o manejo da infertilidade e o uso da reprodução humana assistida (RHA), a importância do pré-natal, parto seguro e pós-parto, e a prevenção de doenças e infecções sexualmente transmissíveis (DSTs/ISTs). O artigo enfatizará a autonomia reprodutiva dos cônjuges e a necessidade de tomada de decisão compartilhada, reconhecendo as assimetrias de gênero que muitas vezes permeiam essas escolhas. Além disso, serão analisados os impactos da falta de acesso e informação sobre saúde reprodutiva na dinâmica conjugal, bem como o papel das políticas de saúde pública na promoção de um ambiente que capacite os casais a exercerem seus direitos reprodutivos. O objetivo é oferecer uma compreensão abrangente de como a saúde reprodutiva e o planejamento familiar, quando acessíveis e discutidos abertamente, contribuem para a satisfação conjugal, o bem-estar familiar e uma sociedade mais justa e equitativa.
1. Introdução
A saúde reprodutiva, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não meramente a ausência de doença ou enfermidade, em todos os assuntos relacionados ao sistema reprodutivo e suas funções e processos (WHO, 2006), é um direito humano fundamental. Intrinsicamente ligada a ela está o planejamento familiar, que se refere à capacidade de indivíduos e casais de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a temporalidade dos filhos, e de ter a informação e os meios para fazê-lo (UNFPA, 1994). No contexto do casamento, essas dimensões adquirem uma complexidade particular, pois as decisões reprodutivas deixam de ser meramente individuais para se tornarem um terreno de negociação, expectativas e, por vezes, conflitos dentro da diade conjugal.
Historicamente, as decisões reprodutivas eram frequentemente ditadas por normas sociais, pressões familiares e imperativos religiosos, com pouca autonomia para os cônjuges, especialmente para as mulheres. O século XXI, no entanto, testemunha uma valorização crescente da autonomia individual e dos direitos reprodutivos, juntamente com avanços significativos em métodos contraceptivos e tecnologias de reprodução humana assistida (RHA). Essas transformações conferem aos casais uma liberdade sem precedentes para moldar suas trajetórias reprodutivas, mas também apresentam novos desafios em termos de comunicação, tomada de decisão e acesso a serviços de saúde.
Este artigo científico se propõe a explorar a interconexão crítica entre a saúde reprodutiva e o planejamento familiar na vida conjugal. Abordaremos os diversos componentes da saúde reprodutiva, desde a prevenção de ISTs e a escolha de métodos contraceptivos até o manejo da infertilidade e a experiência da gravidez e puerpério. Analisaremos como a tomada de decisão compartilhada e a equidade de gênero são cruciais para que o planejamento familiar contribua positivamente para a qualidade do casamento e para o bem-estar familiar. Além disso, discutiremos o impacto de barreiras de acesso e de informações inadequadas, e o papel das políticas de saúde pública em promover um ambiente que suporte a autonomia e a saúde reprodutiva dos casais. O objetivo é fornecer uma análise abrangente que sublinhe a importância desses temas para a construção de relacionamentos conjugais saudáveis, resilientes e mutuamente satisfatórios.
2. Conceituação de Saúde Reprodutiva e Planejamento Familiar
Para uma compreensão aprofundada, é fundamental delimitar os conceitos:
2.1. Saúde Reprodutiva
Conforme a definição da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD) no Cairo (UNFPA, 1994) e endossada pela OMS, a saúde reprodutiva implica que as pessoas sejam capazes de ter uma vida sexual segura e satisfatória, tenham a capacidade de se reproduzir e a liberdade de decidir se, quando e com que frequência o farão. Inclui:
Acesso a Informação e Métodos: Informação e acesso a métodos de planejamento familiar seguros, eficazes, acessíveis e aceitáveis, à sua escolha.
Serviços de Saúde: Acesso a serviços apropriados de saúde sexual e reprodutiva, incluindo cuidados durante a gravidez e o parto, e assistência no pós-parto.
Prevenção e Tratamento de DSTs/ISTs: Acesso a programas para a prevenção, tratamento e cuidado de doenças e infecções sexualmente transmissíveis.
Educação Sexual: Programas abrangentes de educação sexual para jovens e adultos.
Combate à Violência Reprodutiva: Abordar questões como mutilação genital feminina, casamento infantil e gravidez forçada.
Manejo da Infertilidade: Serviços para diagnóstico e tratamento da infertilidade.
2.2. Planejamento Familiar
O planejamento familiar é uma parte essencial da saúde reprodutiva. Ele envolve um conjunto de práticas e decisões que permitem aos indivíduos e casais exercer sua autonomia reprodutiva. Os principais objetivos do planejamento familiar são:
Controle da Natalidade: Prevenir gestações indesejadas através do uso de contraceptivos.
Promoção da Fertilidade: Ajudar casais a conceber quando desejam, incluindo o manejo da infertilidade.
Espaçamento das Gravidezes: Permitir um intervalo saudável entre as gestações para a saúde da mãe e do bebê.
Escolha do Número de Filhos: Decidir quantos filhos ter, se for o caso.
Saúde Materna e Infantil: Melhorar os resultados de saúde para mães, bebês e crianças, reduzindo mortalidade e morbidade materna e infantil (Starrels & Biddlecom, 2008).
3. A Saúde Reprodutiva e o Casamento: Um Encontro de Vidas e Decisões
No contexto conjugal, as questões de saúde reprodutiva e planejamento familiar tornam-se um terreno de negociação, compartilhamento e, por vezes, conflito, que moldam a dinâmica do relacionamento.
3.1. Tomada de Decisão Compartilhada e Autonomia Reprodutiva Conjugal
A autonomia reprodutiva deve ser um direito de ambos os cônjuges. No entanto, a forma como essa autonomia é exercida e integrada na diade conjugal é crucial:
Diálogo Aberto: A base para um planejamento familiar saudável é a comunicação aberta e honesta sobre desejos, medos, expectativas e valores relacionados à parentalidade e à sexualidade.
Respeito Mútuo: Ambos os parceiros devem respeitar as escolhas e os sentimentos um do outro, mesmo quando há discordância.
Conflitos de Desejo: O que acontece quando um cônjuge deseja ter filhos e o outro não? Ou quando há divergência sobre o número de filhos? A capacidade de negociar e encontrar um compromisso, ou reconhecer a incompatibilidade, é um teste para a resiliência conjugal.
Voz Feminina: Historicamente, as mulheres foram as principais responsáveis e, por vezes, as únicas, por lidar com as consequências da reprodução. A autonomia reprodutiva, portanto, é particularmente importante para as mulheres, garantindo que suas vozes e escolhas sejam ouvidas e respeitadas na tomada de decisão compartilhada (Sen, 1999).
3.2. Contracepção e Sexualidade no Casamento
A escolha e o uso de métodos contraceptivos impactam diretamente a vida sexual e a intimidade conjugal:
Liberdade Sexual: A contracepção permite que os casais desfrutem da sexualidade sem o medo constante de uma gravidez não planejada, promovendo maior intimidade e satisfação sexual.
Responsabilidade Compartilhada: A discussão sobre a escolha do método contraceptivo é uma oportunidade para os parceiros compartilharem a responsabilidade pelo planejamento familiar, evitando que recaia apenas sobre um dos cônjuges (geralmente a mulher).
Adesão ao Método: O apoio mútuo na adesão ao método escolhido (e.g., lembrar do uso da pílula, fazer o acompanhamento médico) é um sinal de parceria.
Barreiras: Crenças religiosas, mitos sobre contracepção e falta de acesso podem dificultar a escolha informada e o uso consistente de métodos.
3.3. Infertilidade e Reprodução Humana Assistida (RHA)
A infertilidade pode ser um dos desafios mais estressantes e emocionalmente devastadores para um casal, testando a resiliência conjugal:
Impacto Emocional: A infertilidade pode levar a sentimentos de culpa, vergonha, tristeza, raiva e ansiedade, afetando a autoestima individual e a dinâmica conjugal.
Custo da RHA: Os tratamentos de RHA são frequentemente caros, criando estresse financeiro e dilemas sobre até onde ir na busca por um filho biológico (Ethics Committee of ASRM, 2017).
Apoio Mútuo: Casais que conseguem apoiar-se mutuamente durante o processo de infertilidade e tratamento tendem a ter um melhor prognóstico emocional e relacional. A terapia de casal pode ser fundamental nesse processo.
Decisões Complexas: A RHA levanta questões éticas e emocionais sobre doação de gametas/embriões, barriga de aluguel e o destino de embriões excedentes, que precisam ser discutidas e decididas em conjunto.
3.4. Gravidez, Parto e Puerpério
A experiência da gravidez e do parto, embora natural, está intrinsecamente ligada à saúde reprodutiva e pode ter um impacto significativo na diade conjugal:
Pré-Natal Compartilhado: O acompanhamento pré-natal, quando compartilhado por ambos os parceiros, fortalece o vínculo e a preparação para a parentalidade.
Apoio no Parto: O suporte do parceiro durante o parto é crucial para a experiência da mulher e para o início da coparentalidade.
Puerpério e Saúde Mental: O período pós-parto pode ser desafiador, com mudanças hormonais na mulher, privação de sono e novas responsabilidades. O apoio do parceiro na saúde mental materna (prevenção da depressão pós-parto) e na divisão das tarefas é vital para a saúde do casal e do bebê.
Saúde Sexual Pós-Parto: A retomada da atividade sexual e a escolha contraceptiva pós-parto são importantes para o planejamento familiar subsequente e para a intimidade conjugal.
3.5. Prevenção e Tratamento de DSTs/ISTs
A saúde sexual é parte integrante da saúde reprodutiva e da vida conjugal.
Comunicação sobre ISTs: A capacidade de discutir abertamente sobre o histórico sexual, a saúde e a prevenção de ISTs é um sinal de confiança e intimidade no casamento.
Testagem Conjunta: Incentivar a testagem para ISTs antes e durante o casamento é uma medida preventiva importante para a saúde de ambos os parceiros.
Fidelidade e Confiança: Em relacionamentos monogâmicos, a confiança mútua na fidelidade é um pilar para a segurança sexual e para a saúde reprodutiva.
❌ Mitos que Você Precisa Superar
🧪 "Só a mulher precisa se preocupar com isso"
Você acha que a responsabilidade é só dela, mas o planejamento familiar é uma construção conjunta, que exige diálogo e apoio dos dois.
🎯 "Planejamento é só pra quem quer filhos agora"
Você acredita que isso só importa na hora da gravidez, mas planejar inclui prevenir, adiar e até decidir não ter filhos — e tudo isso importa.
🧼 "Falar sobre reprodução atrapalha o romance"
Você pensa que conversar sobre o corpo e métodos tira a magia, mas o verdadeiro amor se fortalece com clareza e respeito mútuo.
🗓️ "O ciclo da mulher é sempre previsível"
Você confia demais no calendário, mas os corpos variam. Só com conhecimento real e apoio profissional você toma decisões seguras.
💊 "Métodos contraceptivos são todos iguais"
Você generaliza, mas cada método tem impactos físicos, emocionais e hormonais diferentes. O melhor é aquele que funciona bem para ambos.
📴 "Se não quer engravidar, é só se controlar"
Você reduz tudo ao autocontrole, mas saúde reprodutiva envolve informação, acesso e decisões bem embasadas — não apenas vontade.
🫥 "Evitar o tema evita conflitos no casal"
Você foge do assunto por medo de discussões, mas o silêncio abre espaço para mal-entendidos e ressentimentos desnecessários.
🧓 "Depois de certa idade, não precisa mais se cuidar"
Você acha que só jovens devem se preocupar, mas saúde reprodutiva é importante em todas as fases da vida, inclusive na maturidade.
🍼 "Quem tem filhos entende mais sobre o assunto"
Você pensa que a experiência garante sabedoria, mas nem sempre quem já passou por isso teve acesso à informação correta e atualizada.
🚫 "Planejar é ir contra o destino"
Você vê o planejamento como controle excessivo, mas ele é, na verdade, uma forma de viver com mais liberdade, segurança e consciência.
✅ Verdades Elucidadas que Você Precisa Saber
🗣️ Você tem o direito de falar e decidir sobre seu corpo
Planejamento familiar começa quando você entende que sua voz importa — tanto quanto a de quem está ao seu lado.
🤝 Você não precisa decidir tudo sozinho(a)
Dividir essa responsabilidade é um ato de amor. Juntos, vocês criam um plano que respeita limites, sonhos e realidades.
🧭 Você pode mudar de plano ao longo da vida
O que serve hoje pode não servir amanhã. Saúde reprodutiva exige flexibilidade para acompanhar as fases da sua história.
🩺 Você precisa de informação de qualidade
Nem tudo que você ouviu é verdade. Buscar orientação médica é essencial para tomar decisões com base em fatos e não em mitos.
🛡️ Você pode e deve se proteger emocionalmente também
Planejamento familiar também envolve saúde mental: segurança emocional ajuda você a tomar decisões mais equilibradas.
⚖️ Você tem o direito de não querer filhos — ou de tê-los
Ter ou não ter filhos é uma decisão pessoal e legítima. Seu valor como pessoa ou parceiro(a) não depende disso.
🔄 Você e seu parceiro(a) precisam alinhar expectativas
Conversar com honestidade evita frustrações e ajuda a trilhar um caminho conjugal mais consciente e harmonioso.
🧬 Você pode prevenir doenças com o planejamento certo
Métodos bem escolhidos também ajudam a prevenir ISTs, preservando a saúde física e afetiva de vocês dois.
📅 Você pode planejar sem pressa ou pressão externa
Não é a sociedade que define seu tempo. Você deve ouvir seu coração, seu corpo e sua parceria — e decidir no seu ritmo.
🌼 Você pode tornar o diálogo sobre isso mais leve
Falar sobre saúde reprodutiva não precisa ser tenso. Com respeito, empatia e bom humor, vocês podem transformar isso em conexão.
🧩 Margens de 10 Projeções de Soluções
📚 Educação sexual integral nas escolas
Iniciar desde cedo a educação sobre o corpo, direitos e métodos previne desinformação e empodera futuras decisões.
🏥 Ampliação do acesso aos métodos contraceptivos
Distribuir métodos de forma gratuita e diversificada permite que você escolha com base no que realmente funciona para o casal.
👩⚕️ Capacitação constante dos profissionais da saúde
Você precisa de médicos e enfermeiros preparados para orientar com empatia, atualizados sobre o que é melhor para cada realidade.
📲 Plataformas digitais de planejamento familiar
Apps com dados confiáveis ajudam você a acompanhar o ciclo, tirar dúvidas e planejar com mais autonomia.
📺 Campanhas de mídia com foco conjugal
Informar em larga escala, com linguagem acessível e foco nos casais, aproxima o tema da vida cotidiana e quebra tabus.
🧠 Inclusão de psicologia no atendimento reprodutivo
Saúde reprodutiva não é só física. Apoio psicológico ajuda você a lidar com medos, traumas e inseguranças nesse campo.
🗨️ Espaços de escuta e diálogo entre casais
Grupos ou encontros sobre o tema ajudam você a perceber que suas dúvidas são comuns — e que compartilhar é parte da solução.
📦 Kit básico de saúde reprodutiva para casais
Fornecer um conjunto de informações, amostras e orientações práticas aproxima o tema da realidade de todos os lares.
💼 Políticas de licença e apoio à parentalidade planejada
Você precisa de suporte real para que a decisão de ter filhos — ou não — seja respeitada e viável.
🤝 Parcerias entre governos e ONGs para alcance social
Alianças que levam informação e acesso às periferias e áreas rurais garantem que você não fique sem escolhas por falta de estrutura.
📜 10 Mandamentos do Planejamento Familiar com Consciência
🗣️ Falarás abertamente com quem compartilha tua vida
Você deve tratar o tema com naturalidade e respeito, criando um ambiente seguro para decisões conjuntas.
🧠 Buscarás conhecimento antes de decidir
Você se informará com fontes seguras, fugindo de achismos e crenças ultrapassadas.
🤝 Respeitarás os limites e desejos do outro
Você entenderá que o corpo do outro é sagrado — decisões só valem quando há consentimento e entendimento mútuo.
📅 Planejarás não só o “quando”, mas o “como” e o “por quê”
Você refletirá sobre motivos, tempo, condições e sonhos antes de dar qualquer passo.
💬 Expressarás dúvidas e medos sem vergonha
Você tem o direito de ter receios. Falar sobre eles é um ato de coragem que fortalece o vínculo com quem ama.
🛡️ Cuidarás da saúde física e emocional envolvida no processo
Você não negligenciará exames, acompanhamento ou o impacto psicológico de cada decisão.
📖 Educarás juntos para tomar decisões conscientes
Você verá o aprendizado como algo contínuo — o casal aprende, erra, corrige e evolui.
🌱 Revisarás decisões conforme a vida mudar
Você saberá que nada é definitivo. Mudanças nos planos fazem parte da vida conjugal madura.
🧭 Guiarás escolhas por amor e não por pressão externa
Você construirá sua história com base em vocês dois, não em expectativas da família, religião ou sociedade.
❤️ Celebrarás a liberdade de escolher com responsabilidade
Você verá o planejamento como um gesto de amor — por si, pelo parceiro(a) e, se for o caso, pelos filhos que virão.
4. Barreiras e Desafios no Acesso e Exercício da Saúde Reprodutiva
Apesar dos avanços, muitos casais ainda enfrentam barreiras significativas no acesso e no exercício de seus direitos à saúde reprodutiva.
4.1. Barreiras Socioeconômicas
Pobreza: A pobreza limita o acesso a serviços de saúde, métodos contraceptivos de qualidade e tratamentos de infertilidade, aprofundando as desigualdades em saúde reprodutiva.
Localização Geográfica: Áreas rurais ou remotas podem ter acesso limitado a clínicas, hospitais e profissionais de saúde especializados.
Custos: O custo de métodos contraceptivos de longo prazo, tratamentos de infertilidade e até mesmo de um pré-natal adequado pode ser proibitivo para muitas famílias.
4.2. Barreiras Culturais e Religiosas
Normas de Gênero: Expectativas culturais sobre o papel da mulher na reprodução (e.g., pressão para ter muitos filhos, para ter filhos homens) podem limitar sua autonomia reprodutiva no casamento.
Mitos e Estigmas: Informações incorretas e estigmas em torno de métodos contraceptivos, infertilidade ou aborto podem impedir que os casais busquem o cuidado necessário.
Proibições Religiosas: Algumas doutrinas religiosas proíbem o uso de certos métodos contraceptivos ou a realização de abortos, criando dilemas morais para casais que seguem essas crenças.
4.3. Barreiras de Informação e Educação
Falta de Educação Sexual: A ausência de educação sexual abrangente nas escolas e na comunidade deixa jovens e casais sem o conhecimento necessário para tomar decisões informadas sobre sua saúde reprodutiva.
Qualidade da Informação: A disseminação de informações falsas ou tendenciosas sobre saúde reprodutiva pode levar a decisões prejudiciais.
Relação Médico-Paciente: Uma relação médico-paciente que não valoriza a escuta ativa, o respeito à autonomia e o aconselhamento imparcial pode ser uma barreira ao acesso efetivo à saúde reprodutiva.
5. O Papel das Políticas de Saúde Pública
Políticas públicas robustas são essenciais para garantir que a saúde reprodutiva e o planejamento familiar sejam acessíveis e equitativos para todos os casais.
Acesso Universal a Serviços: Implementar e fortalecer sistemas de saúde pública que ofereçam uma gama completa de serviços de saúde reprodutiva, incluindo contracepção gratuita ou subsidiada, pré-natal, parto seguro e acompanhamento pós-parto.
Educação Sexual Abrangente: Integrar programas de educação sexual baseados em evidências nos currículos escolares e em campanhas de saúde pública para capacitar indivíduos e casais com conhecimento e habilidades para a tomada de decisão.
Legislação Favorável: Legislar para proteger os direitos reprodutivos dos indivíduos e casais, incluindo o acesso ao aborto seguro quando legalmente permitido, e regular tecnologias de RHA de forma ética.
Equidade de Gênero: Políticas que promovam a equidade de gênero, como licença parental compartilhada, combate à violência de gênero e programas de empoderamento feminino, que indiretamente fortalecem a autonomia reprodutiva da mulher no casamento.
Manejo da Infertilidade: Investir em pesquisa e acesso a tratamentos de infertilidade, buscando formas de torná-los mais acessíveis para casais de diferentes estratos socioeconômicos.
Campanhas de Conscientização: Promover campanhas que desmistifiquem a contracepção, combatam o estigma em torno da infertilidade e incentivem a comunicação e a tomada de decisão compartilhada no casal.
6. Benefícios para a Qualidade Conjugal e Familiar
Quando a saúde reprodutiva e o planejamento familiar são bem gerenciados no casamento, os benefícios para a qualidade conjugal e familiar são significativos:
Maior Satisfação Conjugal: Casais que compartilham decisões reprodutivas e têm acesso aos meios para realizá-las tendem a experimentar maior satisfação e menos estresse em seu relacionamento.
Melhor Saúde Materna e Infantil: O planejamento de gestações e o espaçamento adequado entre elas resultam em melhores resultados de saúde para a mãe e para o bebê, reduzindo a mortalidade e a morbidade.
Estabilidade Financeira: Ter o número de filhos desejado e planejado permite que as famílias gerenciem melhor seus recursos financeiros, contribuindo para a estabilidade econômica.
Crescimento Pessoal e Familiar: A tomada de decisões conscientes sobre a reprodução pode fortalecer o senso de parceria, a intimidade e o projeto de vida conjunto do casal.
Redução da Violência Reprodutiva: O empoderamento de ambos os cônjuges na tomada de decisões reprodutivas contribui para a redução de práticas como a gravidez forçada ou a violência intrafamiliar relacionada à reprodução.
Crianças mais Saudáveis e com Mais Oportunidades: Crianças nascidas em famílias que puderam planejar sua chegada e que têm acesso a recursos adequados tendem a ter melhores condições de saúde, educação e desenvolvimento.
7. Conclusão
A saúde reprodutiva e o planejamento familiar são elementos intrinsecamente ligados à essência da vida conjugal no século XXI. Longe de serem questões meramente biológicas ou médicas, eles representam um terreno fértil para a negociação de valores, o exercício da autonomia e a construção de um projeto de vida comum. A capacidade de casais de decidir se, quando e quantos filhos ter, de acessar informações e métodos contraceptivos seguros e eficazes, de lidar com a infertilidade através da reprodução humana assistida, e de vivenciar a gravidez, parto e puerpério com apoio e segurança, impacta diretamente a qualidade conjugal e o bem-estar familiar.
A tomada de decisão compartilhada, baseada em comunicação aberta e respeito mútuo, é crucial para que o planejamento familiar se torne uma força de união no casamento. Reconhecer e combater as assimetrias de gênero na responsabilidade reprodutiva, empoderando ambos os cônjuges, especialmente as mulheres, é um imperativo para a promoção da equidade e da saúde sexual dentro da diade.
Os desafios, como as barreiras socioeconômicas, culturais e de informação, que impedem o acesso equitativo à saúde reprodutiva, exigem a atenção contínua das políticas de saúde pública. Somente através de um compromisso robusto com a educação sexual abrangente, a acessibilidade universal a serviços e a proteção dos direitos reprodutivos, poderemos criar um ambiente onde todos os casais se sintam capacitados para tomar decisões informadas e eticamente responsáveis sobre suas vidas reprodutivas.
Em última análise, investir na saúde reprodutiva e no planejamento familiar no contexto conjugal não é apenas uma questão de saúde individual, mas uma estratégia vital para fortalecer as famílias, promover a justiça social e construir uma sociedade mais saudável, equitativa e próspera para as gerações futuras.
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