A diade conjugal, embora seja uma entidade autônoma em sua formação, não existe em um vácuo social. Pelo contrário, é profundamente influenciada e moldada pela família de origem de cada parceiro. Este artigo científico explora, a partir de uma perspectiva predominantemente sistêmica e psicodinâmica, o intrincado papel da família de origem na construção e dinâmica da diade conjugal. Serão abordados conceitos centrais como a transmissão intergeracional de padrões de relacionamento, estilos de comunicação, modelos de apego e estratégias de resolução de conflitos, que os indivíduos internalizam em suas famílias nucleares e, muitas vezes inconscientemente, replicam em suas uniões. A diferenciação do self, proposta por Murray Bowen, será discutida como um processo crucial para que os indivíduos estabeleçam uma autonomia emocional adequada em relação às suas famílias de origem, evitando a triangulação e promovendo a construção de limites saudáveis na nova diade. Analisaremos como os padrões de apego desenvolvidos na infância impactam a busca por intimidade e a resposta a estressores no casamento. Além disso, o artigo investigará a influência do apoio social e da interferência das famílias de origem na qualidade e satisfação conjugal, ponderando quando a proximidade é benéfica e quando se torna uma fonte de tensão. Por fim, delinearemos as implicações práticas dessa compreensão para a terapia de casal e para o desenvolvimento do casal, argumentando que o reconhecimento e o trabalho com essas influências intergeracionais são essenciais para construir uma diade conjugal mais resiliente, autêntica e satisfatória no século XXI.
1. Introdução
A formação de uma diade conjugal é um marco significativo na vida adulta, representando a criação de um novo sistema relacional. Tradicionalmente, o foco da pesquisa e da intervenção terapêutica sobre o casamento tem se concentrado na dinâmica interna do casal. Contudo, nas últimas décadas, há um reconhecimento crescente de que essa diade não é uma entidade isolada, mas um sistema que emerge e interage com os sistemas familiares preexistentes – as famílias de origem de cada parceiro (Bowen, 1978; Framo, 1992). Compreender o papel da família de origem é fundamental para desvendar as complexidades, os desafios e as oportunidades de crescimento inerentes a qualquer união conjugal duradoura.
A família de origem – o sistema familiar no qual um indivíduo cresceu e se desenvolveu – funciona como um "laboratório" inicial para a aprendizagem sobre relacionamentos. É nela que se internalizam padrões de comunicação, estilos de resolução de conflitos, normas sobre intimidade e autonomia, e modelos de apego. Esses padrões, muitas vezes inconscientes, são transferidos para a nova diade conjugal, influenciando profundamente a maneira como os parceiros interagem, negociam suas expectativas e constroem seu próprio sistema familiar (Nichols & Schwartz, 2017).
A teoria sistêmica da família oferece uma lente poderosa para analisar essa interconexão. Ela postula que os indivíduos são partes integrantes de sistemas maiores e que o comportamento de um membro afeta e é afetado pelo sistema como um todo. Nesse sentido, o casamento é a união de dois indivíduos que trazem consigo não apenas suas personalidades individuais, mas também as "regras" e "dinâmicas" implícitas de suas famílias de origem.
Este artigo se propõe a explorar o impacto multifacetado da família de origem na construção da diade conjugal. Abordaremos a transmissão intergeracional de padrões relacionais e de apego, a importância da diferenciação do self para a autonomia conjugal, o fenômeno da triangulação e a formação de limites saudáveis. Discutiremos como o apoio social e a interferência das famílias de origem podem afetar a qualidade e satisfação conjugal. Por fim, destacaremos as implicações dessa compreensão para a prática clínica da terapia de casal e para a promoção de casamentos mais resilientes e autênticos, que se beneficiam da conexão com suas raízes sem serem aprisionados por elas.
2. A Transmissão Intergeracional de Padrões
Um dos conceitos mais potentes na compreensão da influência da família de origem é o da transmissão intergeracional. Refere-se à maneira como padrões de relacionamento, crenças, mitos familiares e comportamentos são passados de uma geração para a próxima, muitas vezes de forma não consciente (Bowen, 1978; Framo, 1992).
2.1. Padrões de Interação e Comunicação
Cada família de origem possui um estilo único de comunicação e interação. Alguns podem ser abertamente expressivos, outros mais reservados; alguns podem lidar com conflitos de forma direta, enquanto outros evitam confrontos.
Comunicação Disfuncional: Padrões como culpar, criticar, evadir ou usar o sarcasmo, se aprendidos na família de origem, podem ser replicados na diade conjugal, minando a intimidade e a resolução de problemas (Gottman, 1994).
Comunicação Funcional: Por outro lado, se a família de origem modelou comunicação aberta, escuta ativa e validação emocional, esses recursos podem ser transferidos para o casamento, fortalecendo a relação.
2.2. Estilos de Resolução de Conflitos
A forma como os pais ou cuidadores lidavam com os desacordos molda a maneira como os filhos abordarão o conflito em seus próprios relacionamentos.
Evitação de Conflitos: Se o conflito era visto como destrutivo na família de origem, um parceiro pode evitar discussões no casamento, levando ao acúmulo de ressentimento.
Confrontação Agressiva: Se o conflito era sempre explosivo e agressivo, um parceiro pode replicar esse padrão ou, inversamente, tornar-se superpassivo para evitar a confrontação.
Negociação e Compromisso: Casais que vêm de famílias que modelaram a negociação e o compromisso tendem a ter mais ferramentas para resolver seus próprios conflitos de forma construtiva.
2.3. Modelos de Apego
A teoria do apego, originalmente formulada por John Bowlby e expandida por Mary Ainsworth, descreve como as experiências iniciais com cuidadores moldam os "modelos de trabalho internos" que os indivíduos usam para entender a si mesmos, os outros e o mundo (Bowlby, 1969; Hazan & Shaver, 1987). Esses modelos de apego são transferidos para os relacionamentos adultos, incluindo o casamento:
Apego Seguro: Indivíduos com apego seguro tendem a ser mais confiantes, capazes de intimidade e de buscar apoio, e confortáveis com a autonomia do parceiro. Eles geralmente formam relacionamentos mais estáveis e satisfatórios.
Apego Ansioso/Ambivalente: Caracterizado por uma necessidade excessiva de proximidade, medo de abandono, e altos níveis de ansiedade sobre o relacionamento. Podem ser "grudentos" ou demandantes.
Apego Evitativo/Esquivo: Caracterizado por desconforto com a intimidade e a dependência. Podem suprimir emoções, manter distância e evitar compromissos.
Quando dois parceiros com estilos de apego inseguros (ansioso e evitativo, por exemplo) se unem, podem criar uma dança relacional disfuncional, onde um busca mais proximidade e o outro se afasta, repetindo padrões aprendidos em suas famílias de origem.
3. Diferenciação do Self e Limites Familiares
A diferenciação do self, conceito central na teoria de sistemas familiares de Murray Bowen (1978), é crucial para a saúde da diade conjugal. Refere-se à capacidade de um indivíduo de manter sua autonomia emocional e intelectual em face da pressão do grupo familiar.
Diferenciação Elevada: Um indivíduo altamente diferenciado é capaz de pensar e agir por si mesmo, separar seus pensamentos e sentimentos, e manter uma conexão emocional com a família de origem sem ser "engolfado" por ela ou reagir excessivamente a suas pressões. Essa pessoa pode formar uma diade conjugal mais sólida, com limites claros em relação às famílias de origem.
Diferenciação Baixa: Um indivíduo pouco diferenciado tende a reagir emocionalmente de forma exagerada ao estresse, a buscar aprovação excessiva da família de origem ou a se distanciar drasticamente dela. No casamento, isso pode se manifestar como:
Fusão Emocional: O casal se torna excessivamente interdependente, perdendo a individualidade.
Triangulação: Problemas conjugais são desviados para um terceiro (um filho, um sogro/sogra) para aliviar a tensão direta entre os parceiros.
Invasão de Limites: A família de origem interfere excessivamente nas decisões do casal (e.g., finanças, criação dos filhos, planos de férias), minando a autonomia da diade.
A construção de limites claros e saudáveis entre a diade conjugal e suas respectivas famílias de origem é essencial para o desenvolvimento de uma identidade conjugal própria. Isso não significa cortar laços, mas estabelecer as regras de engajamento, protegendo a privacidade e a autonomia do novo sistema familiar.
❌ Mitos que Você Precisa Desconstruir
🪞 "Sou uma folha em branco no relacionamento"
Você pensa que começou do zero, mas sua forma de amar, reagir e confiar carrega raízes profundas da sua família de origem.
🔇 "O que vivi com meus pais não importa mais"
Você acha que o passado ficou para trás, mas ele segue ecoando nas suas escolhas, emoções e até nos conflitos do casal.
🧬 "Família é destino, não tem como escapar"
Você sente que está fadado a repetir padrões, mas pode ressignificar suas experiências e construir vínculos mais saudáveis.
💔 "Se meus pais falharam, também vou fracassar"
Você carrega o medo do fracasso conjugal como herança, mas sua história é única e pode ser reescrita com consciência e afeto.
🔄 "Todo casal é uma cópia dos pais"
Você acredita que seu relacionamento vai imitar o dos seus pais, mas cada díade é um novo contrato emocional.
🧱 "Bloquear a família de origem é solução"
Você tenta cortar vínculos pensando que isso protege sua relação, mas a negação só reforça feridas mal resolvidas.
🛠️ "Traumas não interferem no amor"
Você subestima os impactos do passado emocional, mas ele aparece em suas reações impulsivas, medos e padrões repetitivos.
📦 "Cada um resolve seus traumas sozinho"
Você acredita que deve lidar com tudo individualmente, mas o relacionamento também é espaço para acolher e curar juntos.
🎭 "Só quem teve infância difícil é afetado"
Você pensa que só traumas graves importam, mas até pequenas dinâmicas familiares moldam seus gestos, expectativas e medos.
🚪 "Quando casei, deixei minha família pra trás"
Você acha que virar adulto encerra a influência familiar, mas ela segue viva nos seus valores, hábitos e até no jeito de discutir.
✅ Verdades Elucidadas para Você Refletir
🌱 Você traz seu sistema familiar para a relação
Seus modos de amar, discutir ou pedir afeto foram aprendidos desde a infância e agora se manifestam no cotidiano da díade.
🛤️ Você repete padrões até perceber que pode escolher
Sem consciência, você repete comportamentos herdados. A liberdade só vem quando você reconhece e decide agir diferente.
💡 Reconhecer sua história fortalece o relacionamento
Quando você entende suas raízes, passa a lidar com os conflitos com mais empatia, clareza e responsabilidade.
🤝 Seu parceiro(a) também carrega sua bagagem
Assim como você, a outra pessoa foi moldada por uma família, e ambos precisam ajustar o passo juntos para caminhar melhor.
📖 Você está escrevendo uma nova narrativa
A história da sua família influencia, mas não define. Seu relacionamento é um novo capítulo, escrito a quatro mãos.
🧘 Curar a si mesmo é um presente para a relação
Cada passo seu em direção ao autoconhecimento contribui para um vínculo mais leve, autêntico e profundo com quem você ama.
🔍 Você pode identificar os ciclos que se repetem
Com atenção e carinho, você percebe padrões herdados — e pode interrompê-los antes que causem dor novamente.
🧩 A díade conjugal exige ajustes entre mundos diferentes
Você não está sozinho: toda união envolve duas histórias, duas culturas, dois modos de ver a vida — e isso pede diálogo constante.
🎨 Você tem poder criativo sobre sua vida afetiva
Mesmo com influências fortes, você pode pintar novos caminhos, cultivar hábitos diferentes e amar com mais consciência.
🌿 Cuidar do passado abre espaço para um futuro melhor
Você não precisa esquecer o que viveu, mas aprender com isso e permitir que o amor floresça em solo mais fértil.
🧠 Margens de 10 Projeções de Soluções
🎓 Educação emocional desde a infância
Promover educação socioemocional nas escolas ajuda crianças a compreenderem seus sentimentos e relações desde cedo.
🛋️ Terapia sistêmica acessível
Expandir o acesso à terapia familiar permite que você e muitos outros compreendam melhor suas heranças emocionais.
🎥 Campanhas públicas sobre saúde emocional familiar
Iniciativas de conscientização podem te ajudar a reconhecer o papel da família de origem na vida amorosa e afetiva.
💬 Espaços de diálogo intergeracional
Oferecer rodas de conversa entre pais e filhos ajuda você a compreender e ressignificar traumas e expectativas antigas.
👥 Grupos de apoio para casais jovens
Criar ambientes de troca com outros casais te ajuda a perceber que muitos desafios não são individuais, mas coletivos.
🏡 Mediação familiar em conflitos recorrentes
Quando a família de origem interfere demais, a mediação pode ajudar você a estabelecer limites sem rupturas dolorosas.
📚 Formação para profissionais da saúde mental
Treinar psicólogos e assistentes sociais sobre o impacto da família de origem ajuda a expandir o alcance dessas reflexões.
🛠️ Oficinas para casais com foco em vínculos familiares
Você pode participar de encontros que abordam como lidar com sogros, irmãos e legados sem conflito.
💻 Apps de autoconhecimento com foco sistêmico
Ferramentas digitais podem ajudar você a mapear padrões familiares e refletir sobre suas emoções de forma prática.
🏛️ Políticas públicas para famílias em crise
Apoio institucional a famílias em situação de vulnerabilidade ajuda a quebrar ciclos de dor que poderiam se repetir nas gerações seguintes.
📜 10 Mandamentos para uma Díade Conjugal Consciente
🪞 Conhecerás tua própria história antes de apontar a do outro
Você precisa olhar para si antes de julgar o que o outro faz ou sente. Sua história influencia tanto quanto a dele.
🧠 Refletirás sobre os padrões que te trouxeram até aqui
Você reconhecerá quais comportamentos herdou — e quais quer manter ou transformar na relação atual.
💬 Dialogarás com abertura sobre a influência familiar
Você abrirá espaço para conversas sobre como a família de origem impacta a rotina, os hábitos e os sentimentos no casal.
⛓️ Romperás com o que te aprisiona emocionalmente
Você não deixará que crenças antigas impeçam você de viver uma relação saudável e em constante evolução.
🌱 Cultivarás a empatia pelas raízes do outro
Você respeitará a história do outro como parte do caminho, mesmo que ela seja diferente da sua.
🏗️ Construirás juntos novos valores familiares
Você não seguirá scripts prontos: criará com o outro um novo sistema, que sirva aos dois com justiça e amor.
🛑 Estabelecerás limites saudáveis com as famílias de origem
Você saberá proteger seu espaço conjugal com carinho, mas sem abrir mão da sua autonomia.
🧹 Limparás as feridas antes que virem mágoas no casal
Você aprenderá a não deixar que o passado mal resolvido contamine o presente da relação.
🎨 Criarás rituais e hábitos que reflitam sua nova história
Você celebrará as conquistas do casal com símbolos, hábitos e rotinas que fortaleçam sua própria identidade afetiva.
🔥 Manterás viva a chama da renovação no vínculo
Você entenderá que todo relacionamento precisa de atualização constante para se manter leve, verdadeiro e conectado.
4. Apoio Social vs. Interferência da Família de Origem
A família de origem pode ser uma fonte vital de apoio social, que é um recurso importante para a resiliência conjugal. No entanto, ela também pode ser uma fonte de interferência e estresse.
4.1. Apoio Social Positivo
Apoio Emocional: A família de origem pode oferecer escuta, validação e encorajamento, funcionando como uma rede de segurança emocional para os parceiros.
Apoio Instrumental: Ajuda prática, como cuidar dos netos, auxílio financeiro em momentos de crise, ou suporte em tarefas domésticas, pode aliviar o estresse dos casais e fortalecer a diade.
Modelos Positivos: Pais com casamentos estáveis e satisfatórios podem servir como modelos a serem replicados.
Memórias e Tradições: A partilha de histórias familiares e a incorporação de tradições podem enriquecer a identidade do novo casal.
4.2. Interferência e Seus Impactos Negativos
A interferência excessiva da família de origem pode ser prejudicial à qualidade e satisfação conjugal. Isso ocorre quando:
Quebra de Limites: Sogra/sogro, cunhados/cunhadas que se intrometem em decisões privadas do casal, dão opiniões não solicitadas ou tentam controlar a dinâmica da nova família.
Lealdades Divididas: Um ou ambos os parceiros sentem-se divididos entre a lealdade à família de origem e a lealdade ao cônjuge, criando tensão.
Críticas e Desaprovação: A desaprovação do parceiro pela família de origem de um dos cônjuges pode levar a conflitos e minar a auto-estima do parceiro desaprovado.
Dependência Excessiva: Um parceiro que permanece excessivamente dependente da família de origem (financeira, emocionalmente) pode ter dificuldade em investir plenamente na diade conjugal.
Triangulação Crônica: A família de origem pode ser usada como um "terceiro" para desviar o conflito conjugal, impedindo a resolução direta dos problemas entre os parceiros (e.g., um cônjuge desabafa sobre o outro para a mãe, que então interfere).
Pesquisas mostram que, embora o apoio parental possa ser benéfico, a interferência e o atrito com as famílias de origem estão associados a níveis mais baixos de satisfação conjugal e maior probabilidade de divórcio (Mollborn & Pirani, 2017; Umberson et al., 2005).
5. Família de Origem e a Construção da Identidade Conjugal
A diade conjugal não é apenas a soma das duas individualidades, mas uma nova entidade com sua própria identidade, regras e cultura. A família de origem influencia esse processo de várias maneiras:
Negociação de Papéis: Cada parceiro traz concepções sobre papéis de gênero, responsabilidades domésticas e parentais aprendidas em suas famílias. A construção da identidade conjugal envolve a negociação e a fusão (ou rejeição) dessas concepções.
Criação de Mitos Familiares: Os casais criam seus próprios "mitos familiares" – histórias compartilhadas, crenças e valores – que ajudam a definir sua identidade. Estes podem ser influenciados, mas também contrastados, com os mitos de suas famílias de origem.
Rituais e Tradições: A diade conjugal pode adotar, adaptar ou criar novos rituais e tradições (feriados, celebrações, rotinas diárias) que refletem uma fusão ou reinterpretação das tradições de suas famílias de origem.
Parentalidade: A forma como os parceiros foram criados influencia profundamente seus próprios estilos parentais, que precisam ser negociados para formar uma abordagem parental unificada.
6. Implicações para a Terapia de Casal
Compreender o papel da família de origem é fundamental para a terapia de casal. Muitos problemas conjugais têm raízes em dinâmicas não resolvidas com as famílias de origem.
Genograma: Uma ferramenta essencial em terapia familiar, o genograma (McGoldrick et al., 2008) é um mapa gráfico da história familiar de um indivíduo, que inclui informações sobre padrões de relacionamento, doenças, mortes, casamentos, divórcios, profissões e problemas emocionais ao longo de várias gerações. Ele ajuda a identificar padrões recorrentes, lealdades e dinâmicas intergeracionais que podem estar impactando o casal no presente.
Exploração de Padrões Transgeracionais: O terapeuta pode ajudar o casal a identificar como os padrões de comunicação, resolução de conflitos e apego de suas famílias de origem estão sendo replicados no relacionamento.
Trabalho de Diferenciação: Ajuda os indivíduos a aumentar sua diferenciação do self, capacitando-os a estabelecer limites mais saudáveis com suas famílias de origem e a se relacionar com elas de uma forma mais autônoma e menos reativa.
Resolução de Questões Não Resolvidas: Muitas vezes, os problemas conjugais são sintoma de questões não resolvidas ou traumas não elaborados com as famílias de origem. A terapia pode ajudar os indivíduos a processar essas experiências e a se libertar de padrões limitantes.
Reenquadramento de Conflitos: A compreensão da influência da família de origem pode ajudar os parceiros a reinterpretar os comportamentos um do outro, vendo-os não como falhas pessoais, mas como produtos de histórias familiares complexas.
Ao trazer as famílias de origem para o campo de análise, a terapia de casal pode oferecer intervenções mais profundas e duradouras, capacitando o casal a construir um futuro mais livre e consciente.
7. Desafios e Nuances no Século XXI
A compreensão do papel da família de origem continua relevante no século XXI, embora novos contextos tragam desafios adicionais:
Globalização e Migração: Casais de diferentes origens culturais ou que migraram para novos países podem ter que navegar expectativas e pressões de famílias de origem distantes fisicamente, mas ainda influentes.
Tecnologia: As mídias sociais e as chamadas de vídeo podem intensificar a conexão (e a possível interferência) com as famílias de origem, independentemente da distância geográfica.
Diversidade Familiar: O aumento de famílias recompostas, casamentos homoafetivos e diferentes arranjos parentais desafia as noções tradicionais de "família de origem" e introduz novas complexidades nas dinâmicas intergeracionais.
Individualização: A forte ênfase na autonomia individual pode levar alguns a subestimar a influência contínua de suas famílias de origem, dificultando o reconhecimento de padrões inconscientes.
8. Conclusão
A diade conjugal é um sistema dinâmico e evolutivo, mas sua gênese e desenvolvimento são intrinsecamente enraizados nas famílias de origem de cada parceiro. A compreensão do papel da família de origem é, portanto, não apenas uma curiosidade teórica, mas uma lente indispensável para desvendar a complexidade das relações maritais.
A transmissão intergeracional de padrões de comunicação, estilos de resolução de conflitos e, fundamentalmente, modelos de apego, molda as expectativas e comportamentos dos indivíduos na nova diade. Casais frequentemente replicam, de forma não consciente, as dinâmicas aprendidas em suas famílias nucleares, para o bem e para o mal. A capacidade de alcançar a diferenciação do self – ou seja, de manter uma autonomia emocional saudável em relação às pressões e lealdades da família de origem – é crucial para estabelecer limites claros e construir uma identidade conjugal própria e autônoma, livre da triangulação e da interferência excessiva.
Embora as famílias de origem possam ser uma fonte inestimável de apoio social, também podem se tornar fontes de tensão e conflito quando há interferência ou limites mal definidos. A arte da construção conjugal reside na capacidade de honrar as raízes familiares sem ser aprisionado por elas, integrando o apoio e as lições aprendidas, mas forjando um caminho autêntico para a nova diade.
Para a terapia de casal, o reconhecimento e o trabalho com as influências da família de origem, frequentemente por meio de ferramentas como o genograma, são essenciais para identificar padrões recorrentes, processar questões não resolvidas e capacitar os casais a construir relações mais resilientes, íntimas e satisfatórias. No século XXI, com suas complexidades culturais, tecnológicas e demográficas, a compreensão profunda do legado familiar na diade conjugal continua sendo um pilar fundamental para a promoção de relacionamentos saudáveis e duradouros.
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