O planejamento familiar é uma dimensão crucial da vida conjugal e individual, envolvendo decisões complexas sobre o número, o espaçamento e a temporalidade dos filhos. No século XXI, essas decisões são profundamente interligadas a avanços tecnológicos na reprodução humana assistida (RHA), métodos contraceptivos cada vez mais eficazes e debates contínuos sobre o aborto. A Bioética surge como um campo interdisciplinar essencial para navegar as complexidades morais, sociais e pessoais inerentes a essas escolhas. Este artigo científico explora a interseção entre a Bioética e o planejamento familiar no contexto conjugal, examinando os princípios éticos fundamentais que devem guiar a tomada de decisão. Serão abordados conceitos como autonomia reprodutiva dos cônjuges, o papel do consentimento informado em procedimentos médicos, a ética da dignidade da vida humana em diferentes estágios de desenvolvimento e as questões de justiça reprodutiva que envolvem o acesso equitativo a serviços e informações. Discutiremos os dilemas éticos que surgem com as novas tecnologias de RHA, incluindo a seleção genética, a doação de gametas e embriões, e a gestação por substituição. Além disso, o artigo analisará como fatores culturais, religiosos e sociais influenciam as decisões de planejamento familiar, muitas vezes criando tensões entre a autonomia individual e as normas coletivas. O objetivo é fornecer um arcabouço compreensivo que não apenas identifique os desafios bioéticos no planejamento familiar conjugal, mas também proponha caminhos para uma tomada de decisão mais consciente, informada e eticamente responsável, promovendo a saúde e o bem-estar dos indivíduos e da família.
1. Introdução
O planejamento familiar é uma dimensão intrínseca à autonomia e ao bem-estar da pessoa e do casal. Vai além da mera escolha do método contraceptivo; abrange a decisão fundamental sobre ter filhos, quantos ter, quando os ter e com que espaçamento. Historicamente, essas decisões foram guiadas por normas culturais, religiosas e socioeconômicas, muitas vezes com pouca agência individual, especialmente para as mulheres. Contudo, o avanço da medicina e da tecnologia reprodutiva no século XX e XXI, juntamente com a crescente valorização dos direitos humanos e da autonomia individual, transformou radicalmente o cenário do planejamento familiar.
A Bioética, um campo de estudo que lida com as questões morais levantadas pelas ciências da vida e pela prática médica (Beauchamp & Childress, 2013), tornou-se indispensável para navegar a complexidade dessas escolhas. No contexto conjugal, o planejamento familiar envolve a interação de duas autonomias individuais que, embora unidas por um vínculo afetivo, possuem histórias, valores e projetos de vida distintos. A Bioética oferece um arcabouço para analisar os dilemas morais que surgem quando esses valores colidem ou quando as tecnologias reprodutivas apresentam novas possibilidades e responsabilidades.
2. Fundamentos Bioéticos do Planejamento Familiar
A Bioética contemporânea é frequentemente baseada em um conjunto de princípios que servem como guia para a tomada de decisões morais em contextos de saúde e vida. Quatro princípios são amplamente aceitos:
2.1. Autonomia
O princípio da autonomia afirma o direito dos indivíduos de tomar decisões sobre suas próprias vidas e corpos, livres de coerção e com informação adequada. No planejamento familiar, a autonomia significa que:
Autonomia Reprodutiva Individual: Cada cônjuge tem o direito de decidir se deseja ter filhos, quantos e quando. Isso inclui a liberdade de usar métodos contraceptivos, acessar serviços de saúde reprodutiva e, em contextos legais, considerar o aborto.
Autonomia Conjugal Compartilhada: No contexto de um casamento, a autonomia é frequentemente exercida de forma compartilhada. As decisões de planejamento familiar são idealmente o resultado de um diálogo aberto, respeito mútuo e tomada de decisão compartilhada, onde ambos os parceiros expressam suas preferências e chegam a um consenso.
Consentimento Informado: Qualquer intervenção médica relacionada ao planejamento familiar (e.g., inserção de DIU, cirurgias de esterilização, procedimentos de RHA) exige o consentimento informado e voluntário de cada indivíduo. Isso implica que o paciente deve ser plenamente informado sobre o procedimento, seus riscos, benefícios, alternativas e custos, e ter a capacidade de compreender e decidir livremente (Beauchamp & Childress, 2013).
2.2. Beneficência e Não Maleficência
Beneficência: O dever de agir em benefício do paciente e de promover o bem-estar. No planejamento familiar, isso se traduz em oferecer informações e serviços que melhorem a saúde física e mental dos cônjuges e da futura prole, e que contribuam para a qualidade de vida familiar.
Não Maleficência: O dever de não causar dano. Em planejamento familiar, isso significa evitar procedimentos ou conselhos que possam prejudicar os cônjuges ou seus filhos, ou que resultem em sofrimento desnecessário. Por exemplo, a não indicação de contraceptivos com contraindicações médicas.
Esses princípios guiam a prática clínica, assegurando que as intervenções de planejamento familiar sejam oferecidas de forma segura e com a intenção de promover o melhor desfecho para os envolvidos.
2.3. Justiça
O princípio da justiça refere-se à distribuição equitativa de benefícios e encargos. No contexto do planejamento familiar, isso implica:
Acesso Equitativo: Garantir que todos os indivíduos e casais, independentemente de sua condição socioeconômica, raça, etnia, orientação sexual ou localização geográfica, tenham acesso igualitário a informações e serviços de saúde reprodutiva. Isso é central para o conceito de justiça reprodutiva (SisterSong, n.d.).
Distribuição de Recursos: A alocação justa de recursos de saúde para o planejamento familiar, incluindo contracepção, educação e, quando pertinente, acesso a tecnologias de reprodução assistida.
Equidade de Gênero: A justiça no planejamento familiar também exige a consideração da equidade de gênero, garantindo que as mulheres não sejam desproporcionalmente oneradas com as responsabilidades reprodutivas e que tenham igual voz nas decisões.
3. Dilemas Bioéticos na Contracepção e no Aborto
3.1. Contracepção
A contracepção é fundamental para a autonomia reprodutiva, mas também levanta questões éticas:
Acesso e Informação: O dever de garantir que todos os indivíduos tenham acesso a uma variedade de métodos contraceptivos seguros e eficazes, e recebam informações completas e imparciais para fazer uma escolha informada.
Coerção: A ética proíbe qualquer forma de coerção ou manipulação na escolha do método contraceptivo. A decisão deve ser inteiramente voluntária.
Contracepção para Adolescentes: Dilemas éticos podem surgir em relação à autonomia de adolescentes para acessar contracepção sem o consentimento dos pais, equilibrando a proteção do menor com seus direitos reprodutivos.
Contracepção Masculina: A assimetria de gênero na responsabilidade contraceptiva levanta questões sobre a necessidade de desenvolver e promover métodos contraceptivos masculinos eficazes para uma distribuição mais equitativa da responsabilidade.
3.2. Aborto
O aborto é um dos tópicos mais controversos da bioética, com profundas divisões morais e éticas.
Estatuto Moral do Embrião/Feto: A questão central é quando a vida humana adquire estatuto moral pleno, e, consequentemente, o direito à vida. Posições variam desde a concepção (ponto de vista pró-vida) até o nascimento ou a viabilidade fetal (ponto de vista pró-escolha).
Autonomia da Mulher vs. Direito à Vida: O conflito entre a autonomia da mulher sobre seu corpo e o suposto direito à vida do feto é o cerne do debate. A bioética busca analisar os argumentos de ambos os lados, muitas vezes focando em cenários específicos (risco de vida para a mãe, estupro, anencefalia fetal).
Consequências Sociais e de Saúde: A criminalização do aborto, por exemplo, levanta preocupações com a saúde pública, levando a abortos inseguros e impactando desproporcionalmente mulheres vulneráveis, o que viola o princípio da justiça.
Participação do Parceiro: Embora a decisão final seja geralmente da mulher, o papel do parceiro conjugal e a necessidade de diálogo e apoio, mesmo quando as opiniões divergem, são considerações éticas importantes.
🚫 10 mitos sobre Bioética e Planejamento Familiar
🧪 Planejamento familiar é só escolha da mulher
Você acha que decidir ter filhos é coisa só dela? O planejamento ético exige envolvimento e decisão de ambos.
🍼 Ter filhos é obrigação de todo casal
Parece verdade, mas não é. Casais bioeticamente conscientes podem decidir não ter filhos e ainda assim formar um núcleo saudável.
🛑 Recusar ter filhos é egoísmo
A escolha consciente de não gerar filhos pode refletir responsabilidade ambiental, emocional ou de saúde, e não egoísmo.
🧠 Planejamento é só usar anticoncepcional
É muito mais. Inclui ética, saúde, futuro dos filhos, bem-estar da mulher e estabilidade emocional do casal.
⏱️ É preciso esperar o momento "perfeito"
O “momento ideal” pode nunca chegar. O real planejamento está em alinhar expectativas e possibilidades do casal com a vida real.
🏥 Médico decide tudo no planejamento
Você pode achar que o médico impõe a decisão, mas a autonomia e o consentimento devem ser respeitados acima de tudo.
🗳️ A mulher sempre tem a palavra final
Autonomia feminina é crucial, mas a decisão ideal envolve diálogo, respeito mútuo e responsabilidade de ambos.
💰 Planejamento familiar é coisa de quem tem dinheiro
Com orientação adequada, qualquer casal pode planejar mesmo com recursos limitados, pensando em qualidade, não quantidade.
🧬 Fertilidade sempre será uma opção
A biologia tem prazo. Deixar tudo para depois sem avaliar as chances pode trazer arrependimentos e dilemas bioéticos.
🤖 Tecnologia resolve todos os problemas reprodutivos
Nem sempre a ciência pode ou deve intervir. Ética, riscos e impactos emocionais também entram em jogo nas decisões.
✅ 10 verdades elucidadas sobre Bioética e Planejamento Familiar
🤝 Planejamento familiar ético é decisão a dois
Você e seu parceiro precisam dialogar abertamente sobre o futuro reprodutivo e emocional da relação.
📚 Informação ética empodera decisões
Quando você conhece seus direitos reprodutivos e bioéticos, faz escolhas mais conscientes e alinhadas com seus valores.
🧭 Bioética orienta dilemas difíceis
Nas dúvidas entre fertilização, contracepção e aborto, a bioética oferece reflexão crítica e equilíbrio entre ciência e moral.
👩⚕️ A saúde da mulher é prioridade ética
Respeitar os limites físicos e emocionais da parceira é essencial em qualquer decisão sobre filhos.
🔍 Consentimento livre e informado é essencial
Antes de qualquer procedimento, ambos devem compreender riscos, alternativas e consequências – sem pressa ou imposição.
🌍 Contexto social e ambiental influencia escolhas
Você não decide no vácuo. Realidade econômica, acesso à saúde e sustentabilidade afetam o planejamento justo.
🎯 A decisão de ter filhos deve ser intencional
Evitar gravidez não planejada é um ato de amor e responsabilidade com o futuro que vocês desejam construir juntos.
💬 Comunicação conjugal previne conflitos éticos
Você pode evitar dilemas futuros sendo claro sobre seus desejos e medos desde o início do relacionamento.
🛡️ A ética protege contra coerções familiares
Nem família, religião ou médicos podem impor decisões. A vontade do casal deve prevalecer.
🧩 Cada casal tem sua ética própria
Você e seu parceiro têm valores únicos. O importante é que suas escolhas estejam alinhadas entre si e respeitem a dignidade humana.
🛠️ Margens de 10 projeções de soluções
📞 Crie espaços para conversas difíceis sobre filhos
Fale sobre fertilidade, limites e desejos desde o início da relação. O silêncio é mais arriscado do que o conflito.
🧾 Busque aconselhamento bioético em clínicas e universidades
Instituições de saúde com comitês de ética ajudam você a tomar decisões embasadas e respeitosas.
📊 Use dados e evidências para apoiar escolhas
Planeje com base em informações reais sobre saúde, finanças e chances de fertilidade.
🧘 Inclua saúde emocional nas decisões
Cuidar da mente também é um fator ético. Não planeje filhos quando o casal está em colapso emocional.
📚 Eduque-se sobre métodos contraceptivos éticos
Nem todo método serve para todo casal. Escolha o que respeita suas crenças e sua saúde.
💉 Reavalie suas escolhas reprodutivas com o tempo
Você muda. Seus desejos mudam. O planejamento familiar também pode (e deve) ser revisitado com ética.
👥 Considere a adoção como possibilidade ética e amorosa
Nem sempre gerar é o único caminho. Adotar pode ser um ato ético, afetivo e socialmente transformador.
💼 Alinhe carreira e desejo de filhos com flexibilidade
Você não precisa abandonar sonhos. Basta criar planos realistas e sensíveis à realidade.
🏥 Exija que seu médico respeite suas decisões
Bioética também é autonomia. Você pode recusar, questionar e buscar segunda opinião sem culpa.
📜 Elabore um acordo reprodutivo com seu parceiro
Um pacto claro e documentado pode evitar desentendimentos futuros e assegurar a ética do planejamento.
📜 10 mandamentos do planejamento familiar bioético
🧠 Não tomarás decisões sem refletir sobre seus impactos
Pense além do agora. Toda escolha familiar molda o futuro de todos os envolvidos.
💬 Dialogarás com empatia antes de qualquer decisão
A base do planejamento ético está na escuta mútua e no respeito pelos desejos do outro.
📚 Buscarás conhecimento antes de agir
Não se precipite. Entender métodos, direitos e limites evita arrependimentos éticos.
⚖️ Equilibrarás razão, emoção e contexto social
Não é só sobre querer ou poder. É sobre o que é justo, viável e humano em cada etapa da vida.
🤲 Respeitarás o corpo e o tempo do outro
Forçar filhos, adiar demais ou impor escolhas são faltas graves na bioética conjugal.
🔐 Valorizarás a autonomia reprodutiva mútua
Decidir juntos não significa perder a individualidade. É fortalecer a parceria com respeito.
👁️ Estarás atento aos sinais de conflito ético
Se algo parece errado ou forçado, pare e reavalie. A ética começa no incômodo.
👶 Honrarás a dignidade da vida que virá (ou não virá)
Escolher gerar ou não deve vir da responsabilidade, não da pressão externa ou obrigação.
🕊️ Agirás com liberdade e sem coerção externa
Ninguém deve te obrigar a ter filhos. Nem religião, família ou sociedade. A decisão é sua.
💞 Cultivarás um amor consciente como base do futuro
Planejar com ética é construir uma relação sólida onde qualquer escolha será um ato de cuidado.
4. Dilemas Bioéticos na Reprodução Humana Assistida (RHA)
As tecnologias de RHA, como a fertilização in vitro (FIV), trouxeram esperança a casais inférteis, mas também uma série de novos dilemas éticos.
4.1. Acesso à RHA e Justiça Reprodutiva
Custos Elevados: Os procedimentos de RHA são frequentemente caros e não cobertos por sistemas de saúde públicos, criando uma barreira de acesso e aprofundando as desigualdades sociais. Isso levanta questões de justiça distributiva.
Elegibilidade: Quem deve ter acesso à RHA? Apenas casais heterossexuais? Casais homoafetivos? Indivíduos solteiros? A bioética defende o princípio de que a capacidade de amar e cuidar deve ser o critério principal, não a orientação sexual ou o estado civil.
"Direito de Ter Filhos": Existe um "direito" de ter filhos, e até que ponto a sociedade deve garantir esse direito através de tecnologias caras? A discussão é complexa, equilibrando o desejo individual com as responsabilidades sociais.
4.2. Doação de Gametas e Embriões
Anonimato vs. Direito à Origem: A questão de se a identidade de doadores de gametas (óvulos ou espermatozoides) ou embriões deve ser mantida anônima. O "direito de saber" sobre a própria origem genética é cada vez mais reconhecido como importante para a identidade dos indivíduos nascidos por doação.
Exploração de Doadores: Preocupações éticas sobre a remuneração de doadores, especialmente de óvulos, que é um processo invasivo e pode implicar riscos à saúde da mulher.
Estatuto do Embrião: O uso de embriões excedentes criados para a FIV, que não são implantados, levanta questões sobre seu estatuto moral e destino (doação para pesquisa, doação para outros casais, descarte).
4.3. Seleção Genética Pré-Implantacional (PGD/PGS)
Prevenção de Doenças: A PGD permite a seleção de embriões livres de doenças genéticas graves. Isso é amplamente aceito eticamente sob o princípio da beneficência e não maleficência para evitar o sofrimento.
"Bebês de Escolha" (Designer Babies): O dilema surge quando a seleção genética pode ser usada para características não-médicas (e.g., sexo do bebê, cor dos olhos, inteligência), levantando preocupações sobre eugenismo, discriminação e a "medicalização" da parentalidade.
"Bebês Salva-Vidas" (Savior Siblings): A criação de um embrião via FIV e PGD para que ele possa servir como doador compatível de células-tronco para um irmão doente. A ética aqui pesa o benefício de salvar uma vida contra o risco de instrumentalização do novo ser.
4.4. Gestação por Substituição (Barriga de Aluguel)
Exploração da Mulher Gestante: Preocupações éticas sobre a exploração de mulheres, especialmente em países em desenvolvimento, que podem ser coagidas por necessidades financeiras.
Comercialização do Corpo: O debate se a gestação por substituição "comercializa" o corpo feminino e a maternidade.
Direitos da Criança: A complexidade da filiação e os direitos da criança nascida por gestação por substituição, especialmente em casos de arrependimento ou disputa.
Autonomia Contratual: A extensão da autonomia para entrar em um contrato de gestação por substituição e se tal contrato é eticamente válido quando envolve uma vida humana.
5. Influências Culturais, Religiosas e Sociais
A tomada de decisão no planejamento familiar é intrinsecamente moldada por valores e crenças que transcendem a esfera médica e legal.
5.1. Aspectos Culturais
Normas de Gênero: Em muitas culturas, a pressão para ter filhos, especialmente filhos homens, e a atribuição da responsabilidade reprodutiva à mulher, influenciam as decisões de planejamento familiar e podem limitar a autonomia feminina.
Tamanho da Família Ideal: Diferentes culturas têm expectativas variadas sobre o número ideal de filhos, o que afeta a aceitação e o uso de contraceptivos.
Tabus e Estigma: Questões de sexualidade, infertilidade e aborto são frequentemente cercadas por tabus e estigmas culturais que dificultam o diálogo aberto e o acesso a serviços.
5.2. Aspectos Religiosos
Muitas religiões têm posições explícitas sobre contracepção, aborto e RHA, que podem ser fontes de dilemas morais para casais religiosos.
Catolicismo: A Igreja Católica Romana, por exemplo, proíbe a contracepção artificial e o aborto, e tem restrições rigorosas à RHA que não respeite a dignidade da vida desde a concepção e a união sexual.
Outras Religiões: Outras religiões (protestantismo, judaísmo, islamismo, budismo) têm uma gama mais ampla de visões sobre esses tópicos, com algumas permitindo ou endossando a contracepção e certas formas de RHA, e algumas com posições mais flexíveis sobre o aborto em circunstâncias específicas.
Para casais com diferentes filiações religiosas ou com crenças pessoais que divergem das normas religiosas, o planejamento familiar pode exigir uma profunda negociação de valores.
5.3. Aspectos Sociais e Socioeconômicos
Educação e Renda: Níveis mais altos de educação e renda estão frequentemente associados a menores taxas de natalidade e maior uso de contraceptivos, refletindo a capacidade de planejar o futuro e investir em poucos filhos.
Acesso à Educação e Informação: A falta de acesso à educação sobre saúde sexual e reprodutiva, especialmente em comunidades vulneráveis, limita a capacidade dos indivíduos de fazer escolhas informadas.
Políticas Públicas e Ambiente Social: A disponibilidade de creches, licença parental remunerada e apoio à família afeta a decisão de ter filhos e seu espaçamento. Políticas de controle populacional (e.g., política do filho único na China) também levantam sérios dilemas éticos sobre a autonomia reprodutiva.
6. Tomada de Decisão Compartilhada e Responsabilidade Ética
A complexidade do planejamento familiar no contexto conjugal sublinha a importância da tomada de decisão compartilhada.
Diálogo Aberto: Os casais devem criar um espaço seguro para discutir abertamente seus desejos, medos, valores e expectativas em relação aos filhos, infertilidade, métodos contraceptivos e, se necessário, o aborto ou RHA.
Respeito Mútuo: Reconhecer e respeitar as diferenças de opinião, mesmo quando não se chega a um consenso imediato. Isso pode exigir compromisso ou, em casos extremos, a reavaliação da própria relação.
Busca por Informação Qualificada: Casais devem buscar informações precisas e imparciais de profissionais de saúde qualificados e de fontes confiáveis, especialmente ao lidar com RHA ou decisões de vida/morte.
Aconselhamento Ético/Genético: Em situações de infertilidade, risco genético ou dilemas complexos na RHA, o aconselhamento ético e genético pode ajudar os casais a explorar suas opções e tomar decisões alinhadas aos seus valores.
A responsabilidade ética no planejamento familiar estende-se além dos cônjuges para os profissionais de saúde, que têm o dever de informar, apoiar e não julgar, e para os formuladores de políticas públicas, que devem garantir um ambiente que promova a autonomia, a justiça e o acesso equitativo a serviços de saúde reprodutiva.
7. O Futuro da Bioética e do Planejamento Familiar
À medida que a ciência e a sociedade evoluem, novos desafios bioéticos no planejamento familiar surgirão:
Edição Genômica (CRISPR): A capacidade de editar o genoma de embriões humanos, embora promissora para erradicar doenças, levanta profundas preocupações éticas sobre a "melhora" genética, a intervenção na linha germinativa e a equidade de acesso.
Inteligência Artificial (IA) na RHA: A aplicação de IA na seleção de embriões ou na otimização de procedimentos de RHA pode trazer maior eficácia, mas também questionamentos sobre a transparência dos algoritmos e a desumanização do processo.
Reversão de Envelhecimento Ovariano/Testicular: Avanços que poderiam estender a idade reprodutiva de forma significativa levantariam novas questões sociais sobre a parentalidade em idades avançadas e suas implicações.
Útero Artificial: Embora ainda longe da realidade, o desenvolvimento de um útero artificial completo levantaria uma série de dilemas éticos complexos sobre parentalidade, dignidade e a natureza da gestação.
A bioética precisará adaptar-se e desenvolver novas abordagens para lidar com essas fronteiras emergentes, sempre centrada na dignidade humana, na autonomia e na justiça.
8. Conclusão
O planejamento familiar no contexto conjugal é um dos campos mais sensíveis e dinâmicos onde a Bioética exerce sua relevância. Longe de ser um mero exercício de escolha de métodos, envolve decisões de vida que moldam o futuro dos indivíduos, dos casais e da sociedade. A intersecção dos princípios bioéticos – autonomia, beneficência, não maleficência e justiça – oferece uma bússola moral para navegar as complexidades inerentes a essa jornada.
O avanço das tecnologias de reprodução humana assistida (RHA) e a existência de diversas abordagens ao controle da natalidade, incluindo o debate persistente sobre o aborto, evidenciam a necessidade de um diálogo contínuo e reflexivo. A Bioética nos convida a ponderar o estatuto moral do embrião, o equilíbrio entre a autonomia reprodutiva individual e as normas sociais, a questão da justiça reprodutiva no acesso a serviços e a ética das novas fronteiras científicas, como a edição genômica.
Fatores culturais, religiosos e socioeconômicos exercem uma influência poderosa sobre as decisões de planejamento familiar, e a Bioética reconhece a importância de contextualizar e respeitar essa diversidade, ao mesmo tempo em que desafia práticas que violem a dignidade ou a autonomia dos indivíduos.
Para os casais, a tomada de decisão compartilhada, baseada em um diálogo aberto, respeito mútuo e informação qualificada, é a via mais ética e construtiva. Para os profissionais de saúde e os formuladores de políticas públicas, a responsabilidade de garantir que o acesso aos serviços de planejamento familiar seja equitativo, não coercitivo e informado é um imperativo ético.
Em última análise, a Bioética e o planejamento familiar conjugal são indissociáveis. A capacidade de navegar essas questões com sabedoria e compaixão determinará não apenas a saúde e o bem-estar das futuras gerações, mas também a integridade moral de nossas sociedades em um mundo em constante evolução.
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